quarta-feira, 16 de outubro de 2013

MANIQUEÍSMO POLÍTICO-RELIGIOSO


O maniqueísmo é uma doutrina, uma ideologia, uma esquizofrenia que se baseia num certo dualismo natural, em que existe dia e noite, claro e escuro, direita e esquerda, vida e morte,  corpo e alma, teoria e prática, transparente e opaco, limpo e sujo, céu e inferno, anjo bom e demônio, analfabeto e alfabetizado,  amigo e inimigo,  certo e errado, bem e mal. O maniqueísmo filosófico, sob certo aspecto, é bastante cartesiano, pois entende que existem fronteiras claras e distintas entre estes dualismos. Em geral, quando hoje se recorda o maniqueísmo, se faz isto apenas em relação ao maniqueísmo ético, qualificando os acontecimentos, as idéias, as doutrinas, as ideologias e as pessoas em boas ou más. Em tempos idos aos homens considerados do bem se permitia tudo, e aos maus se cortava a cabeça.  Mas, por que estou aqui descrevendo o maniqueísmo? Porque, ao que me parece, esta esquizofrenia maniqueísta tomou conta deste segundo turno da campanha política em nosso país. E a moldura da campanha virou um maniqueísmo esquizofrênico político-religioso. A toda hora usa-se o nome de Deus em vão, como se Deus fosse marionete nas mãos de religiosos  ou de políticos. E o grande problema que se joga  nesta arena maniqueísta é a questão do aborto. Por que então não levantar outros problemas relacionados com a valorização da vida, e discuti-los com mais conhecimento de causa do que a questão do aborto? Muitos abortos acontecem naturalmente, por contingências da natureza que Deus criou. Não há como conhecer todas estas contingências da natureza para evitar a morte natural de milhares de fetos. Os abortos provocados também acontecem por contingências. Contingências originadas em situações humanas diversas: pressões sociais, imaturidade, irresponsabilidade, problemas psicológicos, miséria humana, doenças, crimes, ideologias.  Em situações de boa saúde física, psicológica,  mental, social,  econômica, educacional, ideológica dificilmente mulheres buscariam o aborto, ou se deixariam induzir a isto por homens irresponsáveis. Por isto é tempo perdido, e uma inutilidade, querer exigir de candidatos políticos que se declarem contra ou a favor do aborto. Nem de Deus se pode exigir que  se declare a favor ou contra, pois na natureza criada por Ele também  acontecem abortos. A questão não é colocar na cadeia quem praticou o aborto, mas cuidar dos ambientes humanos para que a vida seja considerada o bem supremo. Neste sentido, quem se preocupa com a questão do aborto, onde se mata, da mesma forma deveria se preocupar com a questão das guerras, com a indústria bélica, com as fábricas de armas. E quem, nesta campanha, já exigiu que algum candidato se pronunciasse sobre isto, quando se sabe que o Brasil é um dos maiores fabricantes e exportadores de armas do mundo? Armas que matam; minas, fabricadas no Brasil,  que ainda hoje explodem em Angola e Moçambique mutilando e matando. Qual a Igreja que já falou nisto? Desta forma, os problemas do Brasil, que deveriam ser discutidos pelos candidatos à Presidência, não são simplesmente religiosos ou civis, são problemas humanos. E os projetos políticos somente deveriam buscar sua fundamentação na questão humana, buscando construir condições para uma vida digna para todos os cidadãos. E o que se propõe, por exemplo? Em vez de se declarar que haverá uma desfavelização do Brasil, apenas se diz que o objetivo é urbanizar as favelas. O que se entende por urbanizar submundos? Ninguém sabe! Promessas vazias de todos os lados. Mas o povo, sem espírito crítico, se deixa levar pela linguagem maniqueísta. A nossa sociedade não é teocrática, nem ateia. Simplesmente é uma sociedade civil. E uma sociedade  civil (de cidadãos)  deverá basear-se em  valores que garantam   uma vida digna para todos os habitantes deste território. E enquanto esta vida digna não for concretizada, muitas vezes, atitudes de pessoas, em condições subhumanas, nem poderão ser criminalizadas, nem responsabilizadas eticamente pelo que fazem. Pois, para o ser humano se conservar no bem, são necessárias pré-condições éticas. O certo é que os humanizados (políticos!) têm a obrigação de elevar os subhumanizados aos níveis do humano. Para que isto possa ser feito, é preciso que se conheça o ser humano e as condições necessárias para que ele tenha uma vida digna. E neste sentido, nem sempre os religiosos, e nem mesmo os políticos sabem como resolver os problemas. Por isto, não voltemos 2000 anos na história, quando  o maniqueísmo se tornou uma seita, e muitas cabeças rolaram. Se temos dois candidatos, ambos possuem virtudes e defeitos. Nossa consciência crítica deverá discernir, no dia da eleição, quem terá melhores condições humanas de melhorar as condições de vida dos brasileiros. Os problemas do Brasil não são propriamente religiosos ou civis, mas humanos.

Inácio Strieder é professor de filosofia- Recife-PE



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